MATÉRIA 13/05 QUARTA-FEIRA - MATÉRIA 009 / DE: MARCELO PONTES
Hoje tenho uma
vida normal: marido dedicado e pai presente, exercendo meu trabalho como
nutricionista e tendo a liberdade de realizar o meu maior sonho, ser um
escritor lido e reconhecido.
Mas nem tudo foi assim, um manto precioso e
tranquilo; na verdade, grande parte da minha história eu me resumi a um grande
excremento, a escória da sociedade.
É engraçado
como sonhamos quando crianças; sonhos que rapidamente são podados quando
alcançamos a adolescência e nesse período conturbado, pouco sobra até a vida
adulta.
Desde pequeno
eu era diferente, envolta de minhas lúdicas e criativas peças: um mundo de
cavaleiros e dragões. Amava a ficção e a habilidade de criar contextos
criativos. Porém em minha inocência, eu não sabia que tudo isso me faria um mal
que por um tempo, pensei que seria perpétuo.
Os conflitos
iniciaram no período escolar; aos poucos percebi que não pertencia aquele
contexto; meus colegas de classe através da natureza infantil e sincera sempre
ressaltaram o quanto eu era esquisito. Hoje riu dessa situação, apesar de
manter um profundo sentimento de dor e frustração – ninguém está pronto para
ser rejeitado nessa idade.
O pico culminou
na sexta série; doze anos de idade, período este onde os hormônios parecem
dissipar qualquer tentativa de estabelecer um convívio amigável. Os meninos
agiam como lobos alfas, surrando e amedrontando os mais fracos para que assim,
pudessem subir na cadeia evolutiva do macho. É claro que os mais esquisitos
eram os primeiros alvos, no caso o fechadão do fundo que passava horas
desenhando templos japoneses enquanto tentava aprender um pouco de Kanji.
Hoje se fala
muito sobre bullying, mas na década de oitenta, como eu seria uma criança feliz
se eles ficassem apenas nas ofensas. Na hora do almoço quando estava voltando para minha casa, o lobo alfa da
turma da sexta série me seguiu junto com um grupo de quatro colegas. Em uma
ruela eles me pegaram. Vieram as ofensas, seguido de chutes, murros e ponta
pés. As lágrimas rolaram, mas não eram lágrimas suplicantes, eram lágrimas de
ódio e total descontrole. – Apenas quem passou por isso pode entender esse
sentimento – Naquele ponto eu já estava farto e mesmo machucado, parti em
direção do lobo alfa imbuído de toda adrenalina do momento. Acertei um soco na
cara dele. Até aquele ponto não sabia o quanto meu soco tinha sido eficiente,
mas eles pararam de me agredir e partiram para socorrer o líder abatido. Apenas
no dia seguinte, quando minha mão estava doendo, fiquei sabendo o quanto
eficiente foi meu soco: eu havia deslocado a mandíbula daquele menino. O garoto
saiu da escola, por um tempo seu grupo me deixou em paz, porém os problemas
apenas haviam começado.
Naquele mesmo
ano minhas dificuldades de leitura e escrita pareciam se acentuar. Hoje temos
diagnósticos rápidos e precisos de déficit de atenção e dislexia, mas naquele
tempo a ciência resumia em dizer que você era burro ou preguiçoso. Essa era a
explicação sensata da época, afinal uma criança que desenha dragões e
cavaleiros como não seria capaz de aprender a escrever sem esquecer letras e
fonemas? Mas esse é o mistério da mente; minha memória curta e péssima – minha
esposa odeia quando encontra meu desodorante na geladeira – , sou incapaz de
ordenar sequências; no caso da dislexia, ela reflete na forma de ler e
escrever. Porém em contrapartida a memória longa é um grande labirinto de
informações e mundos imaginativos. Mas é claro, assim como meu personagem do
livro ‘Almas Seladas’, Layla Aina, eu fui julgado e considerado incompetente, o
que me custou a sexta série. Não conseguindo me recuperar com o passar dos
anos, o diretor chamou meus pais e junto com o conselho me extirpou daquela
entidade de ensino deixando bem claro que eu não teria futuro.
Após esse fato
tudo piorou, eu estava mais alienado do que nunca. As peças pretas começaram a
tomar conta do meu guarda-roupa e através de um novo estilo, me fechei em meu
casulo de contradições. Daqui para frente muitos vão reconhecer os traços que deixei
no livro. Na sequência veio o ódio pela humanidade, chegando ao ponto de sentir
raiva dos sorrisos que despontavam de meus familiares durante as festas de
natal. Eu estava perdido e demorou muitos anos para que me recuperasse do
pânico social.
Neste mesmo
período eu me refugiei através de uma leitura um tanto incomum: livros
proféticos, apócrifos, cabalísticos, entre outros estavam na minha cabeceira;
títulos que dificilmente encontraria em livrarias comuns. Eu procurava uma
razão para o sofrimento do homem e acabei encontrando respostas mais que
convincentes; o que se tornou a saga ‘Algoritmos Sagrados’.
A vida não é um
lugar fácil de viver, mas nosso maior erro é se preocupar com a opinião alheia.
Com o tempo aprendi técnicas de memoria e consigo em parte driblar minha
dislexia o que me fez acreditar que não importa sua deficiência, ela sempre
poderá ser superada.
Hoje deixo uma
frase que repeti muitas vezes para meu filho e que, se alguém me dissesse no
passado, muita coisa teria mudado:
“Você não precisa da opinião dos outros para
ser feliz. A vida é uma experiência individual que se resume em cair e se
levantar.”
M. L. Pontes –
Escritor da Saga ‘Algoritmos Sagrados’.
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